20 anos depois e Wannabe é a atual canção do Girlpower no mundo
No dia 6 de julho, o lançamento de uma campanha das Nações Unidas deixou a trilha sonora da semana um pouco nostálgica dos anos 1990. “Wannabe”, da girl band Spice Girls, foi a canção escolhida como trilha sonora para promover a Igualdade de Gênero, uma das Metas Globais para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). Assista:
O vídeo viralizou rapidamente - tanto pelo hit, já que “Wannabe” estreou em 1996 em primeiro lugar na lista de mais tocadas em 30 países - quanto pela mensagem de liberdade sexual feminina.
Além disso, o clipe recebeu apoio da própria banda. Uma de suas mais proeminentes ex-integrantes, Victoria Beckham se manifestou sobre o clipe na revista “Time” dizendo que ele é uma ideia incrível. “É incrível que, 20 anos depois, o legado das Spice Girls - o ‘girl power’ - esteja sendo usado para encorajar e empoderar toda uma nova geração”, disse.
As Spice Girls podem ser vistas pela opinião pública como apenas mais um produto da indústria cultural dos anos 1990. Afinal, a banda foi fabricada: suas integrantes foram recrutadas por um empresário que tinha uma mercadoria em mente.
Ainda assim, há quem defenda que a influência das Spice Girls em toda uma geração de adolescentes precise ser reconhecida. Afinal, o discurso nas letras do grupo já antecipava o conceito emancipação sexual e amorosa das mulheres que ganhou força de novo nos últimos anos - e pode ter ajudado a geração de mulheres que chegam aos 30 anos nos anos 2010 a construir essa identidade feminista.
‘Wannabe’, hino infantil do empoderamento.
As Spice Girls foram um fenômeno midiático global nos anos 1990. Embora o grupo tenha acabado definitivamente em 2001, muitas de suas músicas ainda estão entre os maiores hits da música pop.
“Wannabe”, provavelmente o maior hit do grupo, é um bom exemplo de discurso libertador da sexualidade feminina transmitido com uma roupagem leve e divertida. A letra pode ser lida como uma versão bastante infantil de um manifesto pela liberdade sexual, pela ideia de não-competitividade entre mulheres e pelo poder de decisão feminino no relacionamento. Veja um trecho:
“Se você quer meu futuro, esqueça meu passado.
Se quiser ficar comigo, melhor ser rápido.
Não desperdice meu tempo, se organize e vamos ficar numa boa.
Vou te dizer o que eu quero, realmente quero, e você me diz o que quer, o que realmente quer.
Se você quiser ser meu namorado, precisa se dar bem com meus amigos. Faça durar pra sempre, amizade nunca acaba.
Se quiser ser meu namorado, você tem que ceder.
Receber é muito fácil, mas é assim que funciona.”
A ideia do “girl power”, enunciada pelas Spice Girls nas roupas, atitudes e letras, não era nova nos anos 1990. O nome “pop” para a ideia de emancipação da mulher não é nada mais que uma adaptação palatável para o mainstream do conceito “riot grrrl”, cunhado no começo dos anos 1990 por bandas de punk rock feminino nos EUA.
O empresário das Spice Girls afastou o “riot grrrl” de suas raízes punk, anticapitalismo e anticonsumo, ao transformá-lo em commodity. Esse “pacote” redefinia o conceito de “girl power” como algo divertido, fofo, acessível e politicamente correto - o que era perfeito para conquistar crianças e adolescentes.
Por meio das Spice Girls, muitas meninas dos anos 1990 entraram pela primeira vez em contato com os conceitos básicos do feminismo de maneira direta.
“O crescimento das Spice Girls como fenômeno cultural significava que a maneira [positiva] como elas promoviam os relacionamentos femininos e a retórica positiva sobre sexo foram a primeira exposição de boa parte de seu público ao discurso feminista.”
Maeve McDermott
Blogueira do National Geographic
No jornal britânico “The Guardian”, a colunista Rhiannon Cosslett escreveu em 2012 que, para ela, as Spice Girls serviram como “porta de entrada” para o feminismo.
“Prefiro o ‘girl power’ [em vez dos discursos feministas de artistas pop contemporâneas, como Rihanna e Taylor Swift]. [O conceito] me moldou, e ainda que eu veja suas falhas, continua sendo o único discurso de poder feminino que é acessível para uma criança de 7 anos. [...] Você precisa de uma ‘droga de acesso’ [para o feminismo] e a minha foi o Spiceworld. E por isso, eu sinto que devo muito a elas”, disse.
Ou seja: para muitas mulheres, o discurso “raso e diluído” transmitido pelas músicas do grupo plantou nelas a semente do feminismo - e foi o primeiro e pequeno passo em direção a um cenário cultural em que o feminismo é discutido abertamente na imprensa e por símbolos culturais.
“As Spice Girls foram só um grupo pop, verdade, mas também era um grupo de cinco mulheres jovens incrivelmente ambiciosas e espertas, que não só fizeram sucesso mas tiveram um imenso impacto cultural. Se isso não é girl power, o que é?”
Zeba Blay
Blogueira do The Huffington Post
Os problemas de apropriação do feminismo
A transformação do feminismo em produto pelas Spice Girls nos anos 1990 recebeu críticas do movimento feminista na época e ainda recebe hoje. É fácil apontar os problemas, afinal: é um grupo feminino que dilui o discurso político forte da igualdade de gênero em letras bobas sobre transar com quem quiser e ser amiga de outras meninas; um grupo feminino cuja concepção, formato e ideias vêm, todos, de dois empresários homens; um grupo feminino que usa a igualdade de gênero para ganhar dinheiro.
“As Spice Girls acabaram vendendo uma visão de femilidade e feminismo que recria mulheres como fracas, burras, ofuscadas”, escreveu a colunista Rita Hao, do site BitchMedia.
A “plastificação” da ideia de “riot grrrl” fez com que o grupo fosse acusado até de “matar” o feminismo. A jornalista inglesa Caitlin Moran, em 2012, disse que as Spice Girls se apropriaram do conceito de feminismo e, com o fim da banda, acabou o interesse pela causa.
Foto: Reuters
Empresário das Spice Girls redefiniu o conceito de “girl power” como algo divertido, fofo, acessível e politicamente correto - o que era perfeito para conquistar crianças e adolescentes
A outra maneira de olhar o fenômeno, no entanto, reconhece que, apesar dos problemas, as Spice Girls eram um oásis de empoderamento feminino no universo da música pop, que tinha tudo para criar produtos majoritariamente sexistas (e o fazia constantemente).
Os anos 1990 têm uma lista de produtos culturais com mulheres fortes como protagonistas: Xena - a Princesa Guerreira, Buffy - a Caça-Vampiros e Gilmore Girls são alguns exemplos. Como eles, as Spice Girls capitalizaram a ideia de independência feminina, e ajudaram a trazer o “girl power” para o centro da cultura pop.
“As Spice Girls não foram substituídas por outros grupos femininos mais sérios. Foram substituídas pelas Britney Spears. Pela Christina Aguilera. E outras como elas, que definiram o padrão de mulheres solo, sexys, icônicas que persiste até hoje”, escreveu Sady Doyle, da “Rookie Mag”. Para ela, as Spice Girls pelo menos tinham como mote o tal “girl power”, enquanto as artistas pop que vieram depois sequer flertavam com o conceito.
Além disso, o clipe recebeu apoio da própria banda. Uma de suas mais proeminentes ex-integrantes, Victoria Beckham se manifestou sobre o clipe na revista “Time” dizendo que ele é uma ideia incrível. “É incrível que, 20 anos depois, o legado das Spice Girls - o ‘girl power’ - esteja sendo usado para encorajar e empoderar toda uma nova geração”, disse.
As Spice Girls podem ser vistas pela opinião pública como apenas mais um produto da indústria cultural dos anos 1990. Afinal, a banda foi fabricada: suas integrantes foram recrutadas por um empresário que tinha uma mercadoria em mente.
Ainda assim, há quem defenda que a influência das Spice Girls em toda uma geração de adolescentes precise ser reconhecida. Afinal, o discurso nas letras do grupo já antecipava o conceito emancipação sexual e amorosa das mulheres que ganhou força de novo nos últimos anos - e pode ter ajudado a geração de mulheres que chegam aos 30 anos nos anos 2010 a construir essa identidade feminista.
‘Wannabe’, hino infantil do empoderamento.
As Spice Girls foram um fenômeno midiático global nos anos 1990. Embora o grupo tenha acabado definitivamente em 2001, muitas de suas músicas ainda estão entre os maiores hits da música pop.
“Wannabe”, provavelmente o maior hit do grupo, é um bom exemplo de discurso libertador da sexualidade feminina transmitido com uma roupagem leve e divertida. A letra pode ser lida como uma versão bastante infantil de um manifesto pela liberdade sexual, pela ideia de não-competitividade entre mulheres e pelo poder de decisão feminino no relacionamento. Veja um trecho:
“Se você quer meu futuro, esqueça meu passado.
Se quiser ficar comigo, melhor ser rápido.
Não desperdice meu tempo, se organize e vamos ficar numa boa.
Vou te dizer o que eu quero, realmente quero, e você me diz o que quer, o que realmente quer.
Se você quiser ser meu namorado, precisa se dar bem com meus amigos. Faça durar pra sempre, amizade nunca acaba.
Se quiser ser meu namorado, você tem que ceder.
Receber é muito fácil, mas é assim que funciona.”
A ideia do “girl power”, enunciada pelas Spice Girls nas roupas, atitudes e letras, não era nova nos anos 1990. O nome “pop” para a ideia de emancipação da mulher não é nada mais que uma adaptação palatável para o mainstream do conceito “riot grrrl”, cunhado no começo dos anos 1990 por bandas de punk rock feminino nos EUA.
O empresário das Spice Girls afastou o “riot grrrl” de suas raízes punk, anticapitalismo e anticonsumo, ao transformá-lo em commodity. Esse “pacote” redefinia o conceito de “girl power” como algo divertido, fofo, acessível e politicamente correto - o que era perfeito para conquistar crianças e adolescentes.
Por meio das Spice Girls, muitas meninas dos anos 1990 entraram pela primeira vez em contato com os conceitos básicos do feminismo de maneira direta.
“O crescimento das Spice Girls como fenômeno cultural significava que a maneira [positiva] como elas promoviam os relacionamentos femininos e a retórica positiva sobre sexo foram a primeira exposição de boa parte de seu público ao discurso feminista.”
Maeve McDermott
Blogueira do National Geographic
No jornal britânico “The Guardian”, a colunista Rhiannon Cosslett escreveu em 2012 que, para ela, as Spice Girls serviram como “porta de entrada” para o feminismo.
“Prefiro o ‘girl power’ [em vez dos discursos feministas de artistas pop contemporâneas, como Rihanna e Taylor Swift]. [O conceito] me moldou, e ainda que eu veja suas falhas, continua sendo o único discurso de poder feminino que é acessível para uma criança de 7 anos. [...] Você precisa de uma ‘droga de acesso’ [para o feminismo] e a minha foi o Spiceworld. E por isso, eu sinto que devo muito a elas”, disse.
Ou seja: para muitas mulheres, o discurso “raso e diluído” transmitido pelas músicas do grupo plantou nelas a semente do feminismo - e foi o primeiro e pequeno passo em direção a um cenário cultural em que o feminismo é discutido abertamente na imprensa e por símbolos culturais.
“As Spice Girls foram só um grupo pop, verdade, mas também era um grupo de cinco mulheres jovens incrivelmente ambiciosas e espertas, que não só fizeram sucesso mas tiveram um imenso impacto cultural. Se isso não é girl power, o que é?”
Zeba Blay
Blogueira do The Huffington Post
Os problemas de apropriação do feminismo
A transformação do feminismo em produto pelas Spice Girls nos anos 1990 recebeu críticas do movimento feminista na época e ainda recebe hoje. É fácil apontar os problemas, afinal: é um grupo feminino que dilui o discurso político forte da igualdade de gênero em letras bobas sobre transar com quem quiser e ser amiga de outras meninas; um grupo feminino cuja concepção, formato e ideias vêm, todos, de dois empresários homens; um grupo feminino que usa a igualdade de gênero para ganhar dinheiro.
“As Spice Girls acabaram vendendo uma visão de femilidade e feminismo que recria mulheres como fracas, burras, ofuscadas”, escreveu a colunista Rita Hao, do site BitchMedia.
A “plastificação” da ideia de “riot grrrl” fez com que o grupo fosse acusado até de “matar” o feminismo. A jornalista inglesa Caitlin Moran, em 2012, disse que as Spice Girls se apropriaram do conceito de feminismo e, com o fim da banda, acabou o interesse pela causa.
Foto: Reuters
Empresário das Spice Girls redefiniu o conceito de “girl power” como algo divertido, fofo, acessível e politicamente correto - o que era perfeito para conquistar crianças e adolescentes
A outra maneira de olhar o fenômeno, no entanto, reconhece que, apesar dos problemas, as Spice Girls eram um oásis de empoderamento feminino no universo da música pop, que tinha tudo para criar produtos majoritariamente sexistas (e o fazia constantemente).
Os anos 1990 têm uma lista de produtos culturais com mulheres fortes como protagonistas: Xena - a Princesa Guerreira, Buffy - a Caça-Vampiros e Gilmore Girls são alguns exemplos. Como eles, as Spice Girls capitalizaram a ideia de independência feminina, e ajudaram a trazer o “girl power” para o centro da cultura pop.
“As Spice Girls não foram substituídas por outros grupos femininos mais sérios. Foram substituídas pelas Britney Spears. Pela Christina Aguilera. E outras como elas, que definiram o padrão de mulheres solo, sexys, icônicas que persiste até hoje”, escreveu Sady Doyle, da “Rookie Mag”. Para ela, as Spice Girls pelo menos tinham como mote o tal “girl power”, enquanto as artistas pop que vieram depois sequer flertavam com o conceito.
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/12/Qual-a-import%C3%A2ncia-das-Spice-Girls-para-o-renascimento-do-feminismo
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