Lady Gaga volta 'moça de família' em 'Joanne', disco reflexivo e emocional
LONDRES — Quando criança, Lady Gaga, que então era apenas Stefani Joanne Angelina Germanotta, não entendia por que a família sofria tanto na noite de Natal. O avô, um imigrante siciliano, sempre soluçava à mesa, consolado pela mulher. Todos ficavam em silêncio. Gaga cresceu vendo o pai, Joseph, coberto por uma permanente sombra de tristeza e raiva. Ela sabia que algo de ruim havia acontecido àquela família de ítalo-americanos de Nova York, mas ainda não tinha maturidade para entender que certas feridas sempre estarão abertas.
Seu novo álbum, que sai na próxima sexta-feira (no Brasil, pela Universal), toca nessa dor, e em outras menos explícitas. O título, "Joanne", é uma homenagem à tia, irmã de seu pai, que morreu antes de Gaga nascer, vítima de lúpus, em 1974. A canção ainda inédita que dá nome ao disco, o primeiro solo da cantora em três anos, foi escrita para a moça que partiu aos 19 anos deixando os Germanotta dilacerados. A composição foi o jeito que a sobrinha encontrou para ser mais Stefani e menos a megaestrela pop cujas performances hipnotizam o público desde que fez tremer a indústria da música com os hits "Just dance" e "Poker face", em 2008.
- Nesse álbum, sou a filha do meu pai e da minha mãe, a irmã de minha irmã, a neta de minha avó. Voltei ao lugar onde minha paixão pela música começou. Meu nome do meio é uma homenagem à minha tia. Os médicos quiseram amputar suas mãos para prolongar sua vida, mas minha avó disse não. Joanne era uma artista. Pintava, escrevia poesia e esculpia. Minha avó não quis que a filha vivesse seus últimos momentos sem o seu instrumento - contou Gaga numa conversa com jornalistas em Londres, sob o olhar emocionado do pai.
"Joanne" revela uma Gaga pop como sempre, porém diferente da diva tão célebre por incendiar pistas de dança quanto pelas excentricidades fashion que lhe davam um ar de extraterrestre. Ela reluta em apontar um gênero para definir o novo álbum, que tem rock, country, funk e dance. Mas é, sem dúvida, sua obra mais autobiográfica. Além disso, representa uma mudança de rumo. Arenas para shows gigantes foram trocadas por uma miniturnê em clubsescondidos. Em Londres, uma Gaga rockeira lançou o single "Perfect ilusion" e, em Nashville, apresentou a balada "Million reasons", tributo a David Bowie.
Sua última produção solo, "ArtPop", de 2013, foi considerada uma decepção para os padrões de uma ganhadora de cinco prêmios Grammy. Ela pensou em parar de cantar, mas o que poderia ter sido uma era de ostracismo acabou se revertendo em mudanças que deram certo. Ao lado de Tony Bennett, gravou o surpreendente "Cheek to cheek", com clássicos do jazz; ganhou um Globo de Ouro pela atuação na série "American horror show" (ela também está na nova temporada) e vai estrelar o remake de "Nasce uma estrela", dirigido por Bradley Cooper. Os últimos anos acabaram confirmando o que as toneladas de maquiagem e figurinos bizarros pareciam esconder: Lady Gaga tem uma bela voz, como provou em duas apresentações consecutivas na cerimônia do Oscar.
Em "Joanne", sob incentivo do produtor britânico Mark Ronson, a cabeça por trás do épico "Back to black", de Amy Winehouse, Gaga diz ter vencido a insegurança em relação às suas habilidades vocais. Ronson, afirma, a ajudou a chegar "às camadas mais profundas de sua escuridão". O disco é, reconhece ela, terapêutico.
- Ele mudou minha voz. Minha mãe notou que agora há uma dor na minha voz, mas isso não é ruim. Mark não escondeu isso. Ele me ama com meus defeitos, meus medos, minha bravura - diz a cantora, de 30 anos, que já admitiu sofrer de depressão. - Tive que arrancar o que estava na superfície. Há diferentes níveis de escuridão em todos nós. Há escuridão em "Joanne", mas é algo profundo.
A moça é irreconhecível longe das câmeras. Pouca maquiagem, cabelos louros presos num coque, legging preta, camisa listrada e crucifixo no pescoço, ela parece anos mais jovem. A era do vestido de carne crua - uma de suas aparições mais bombásticas, no MTV Video Music Awards de 2010 - ficou para trás, embora Gaga ainda passe longe do que pode ser definido como convencional. Seu novo uniforme é composto por micro short, top menor ainda e chapéu de cowgirl rosa.
Me sinto mais confortável assim, mais simples. Mas nunca me escondi. Para alguns, eu usava máscaras, mas era tudo parte do meu corpo. Agora vivo cercada pelos "meninos" e quero estar sempre pronta para sair - diz ela, acrescentando que não se preocupa mais em corresponder às expectativas dos outros. - Não estou interessada em manter uma imagem que não é real.
Os "meninos" são os responsáveis por essa nova Gaga. Além de Ronson, ela toca com Kevin Parker, da banda Tame Impala, Bloodpop e Father John Misty. O disco também tem um dueto com a britânica Florence Welsh, da banda indie Florence + The Machine. Nos versos da canção feita para a tia que nunca conheceu, ela canta "pegue minhas mãos, fique Joanne/ o céu não está pronto para você". Em "Million reasons", menciona "milhões de razões para abandonar o show", enquanto na dançante "Dancing in circles" prega que "é bom estar sozinha". Mas é na faixa-título que Gaga diz esperar que o público veja mais do que uma das maiores estrelas pop do planeta.
Em silêncio, mas com uma postura protetora, Joseph, dono de um restaurante de comida italiana no Upper West Side, em Manhattan, o Joanne Trattoria, ouve a filha voltar à história da família.
- Quando meu pai abriu o restaurante, eu e minha irmã festejamos, dançamos. Quando vi a foto de Joanne ali, entendi que meu pai teve um amor roubado de um jeito que não tem cura. Esse sentimento fez eu me sentir mais conectada ao mundo. Sou parte de uma família forte que sobreviveu a muita coisa. Não sou tão diferente de outras pessoas - insiste, antes de sumir na noite de Londres de óculos escuros, amparada por um séquito de assessores.
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/lady-gaga-volta-moca-de-familia-em-joanne-disco-reflexivo-emocional-20296761
- Quando meu pai abriu o restaurante, eu e minha irmã festejamos, dançamos. Quando vi a foto de Joanne ali, entendi que meu pai teve um amor roubado de um jeito que não tem cura. Esse sentimento fez eu me sentir mais conectada ao mundo. Sou parte de uma família forte que sobreviveu a muita coisa. Não sou tão diferente de outras pessoas - insiste, antes de sumir na noite de Londres de óculos escuros, amparada por um séquito de assessores.
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/lady-gaga-volta-moca-de-familia-em-joanne-disco-reflexivo-emocional-20296761
Comentários
Postar um comentário